Jornal O 5 de abril

03.03.1950

Por DE SÁ

  Frederico, há dias li com satisfação, a noticia de que fostes agraciado com uma bolsa de estudos, no Rio de Janeiro.

  A tua pequenina estrela, toma, hoje, vulto no firmamento artístico. A medida que ela vai devorando, propulcionada pela força de uma alma artística, o espaço cronológico da tua existência, a sua cauda, vai aumentando de intensidade luminosa.

  No mesmo instante que resolvi felicitar-te, veio-me à lembrança, a figura majestosa e inolvidável de nosso velho internato. Daquele internato de técnicos cujas mãos calejadas pelo martelo, pela lima, contrastavam com as tuas, de artista, de poeta. Enquanto nós os outros, vivíamos de folguedos, tu, o artista meditavas a um canto, com uma reprodução fotográfica de um Rembrandt, de um Da Vinci.

  Vinhamos até o teu retiro meditável, com tentadoras propostas de diversões, mas tu, fiél aos teus sentimentos, permanecias indiferente, tecendo com a tua dedicação, a rede do teu destino, como Phenelope, esperando fielmente, o Messias de um futuro promissor. Ei lo que já se avizinha.

  Lembro-me também com certo orgulho, não escondo, quando chegavas a mim e pedias, com tua voz quieta e modesta:

-Alceu, queres posar? – Lá ia eu, para o teu estúdio nos cimos da escada que conduzia à aula de música e, lá ficava eu, despido, as vezes no duro do inverno, atendendo às tuas ordens – Ergue um pouco o rosto. Assim… agora, uma expressão de terror, como alguém fosse atravessar-te com uma lança…Crispa os dedos, com as mãos no coração. Mais um pouco… aí… está bem assim…

  Pintavas uma batalha onde se confundiam cavalos com canhões, homens com carabinas… No primeiro plano, via-se um soldado caído do cavalo ferido, olhando horrrorisado a desgraça que o esperava. 

 Tudo isso, e muitas outras cenas, desfilam pelo palco das minhas recordações, Frederico, colega artista, de alma sensível e espírito de luz.

 Amanhã, quando o teu nome desfilar ao lado dos grandes pintores, das grandes personalidades, quando voltares à tua casa paterna, vitorioso, glorificado em honra ao teu talento, eu peço, desde já, licença para gritar no meio da multidão que irá aclamar-te, no dia do teu regresso, peço para gritar bem alto, e com orgulho:- Frederico, não te lembra mais do teu modelo de outrora? -Então pintarás um quadro evocativo, nem que seja na imaginação, onde se verá dois jovens nos cimos de uma escada, estando um completamente despido, tiritando de frio, mas resignado, e, outro com um caderno a mão rabiscando braços, pernas, bustos e cabeças. Transportarás à tela da tua imaginação, uma faceta daquele relicário de uma época risonha, quando começamos a brilhar os caminhos da vida…

 Até a volta, Frederico, que a tua estrela se transforme num cometa e que o teu pincel transforme as tuas inspirações, numa cornucópia de glórias, para espargir sobre a terra de Cabral, o ouro da tua sensibilidade artística.