Jornal NH

26 de agosto de 2005.

Alceu Feijó

Uma cartomante, há muitos e muitos anos na Praça da Redenção, em Porto Alegre, domínio dos alunos da Escola Técnica Parobé, ali da Sarmento Leite, pegou uma das minhas mãos e vaticinou que eu viveria até os 82 anos.

Na época, um absurdo que não levei em conta, pois morrer era uma coisa que eu não admitia e nem sabia o que era, na verdade verdadeira.

Agora, lendo um trabalho que a neta Silvia está escrevendo sobre a vida do Von Koseritz. Um alemão abrasileirado que morreu aos 50 anos e realizou tanta coisa, escreveu tantos livros, teve tantos jornais, foi deputado estadual tantas vezes, brigou com a Igreja que o excomungou até a quarta geração, embora fosse católico praticante, à maçon destacado. Foi perdoado pela excomunhão, mas não se livrou da política, que o matou indiretamente. E, como ele, tantos outros que morreram moços, para hoje, e realizaram tanta coisa útil como é que eu fico chegando aos oitenta, convivendo com um batalhão de fantasmas, que um dia foram grandes realizadores?

Quando falo em fantasmas não estou me referindo aqueles que aparecem em nuvens místicas. Quero me referir às pessoas que amamos, que convivemos, que brincamos, que trabalhamos juntos. Melhor que fantasmas, foram ícones na minha vida.

Mas chegou um dia que a realidade foi se chegando, foi se aproximando da minha realidade, foi quando o doutor Selbach, num momento ecluso da minha vida, vaticinou que até poderia chegar aos 76, se não resolvesse o que me afligia. Resolveu e voltou a novo diagnóstico com expectativa de mais ou menos dez anos.

Bem, mas entre altos e baixos chego diante da realidade, ou entro no funil final, que não permite retroceder e por mais otimista que a gente seja, não pode ignorar a incógnita da luz no ápice do funil.

Então, sem traumas ou dramas, eu tenho que enfrentar essa verdade. E sem fugir dela tenho que organizar a minha morte, queira ou não queira.

 Mas como é que se organiza, se estrutura a morte? Existe muita teoria, mas nenhuma tão clara   e cientificamente comprovada como para uma criança que foi fecundada, que vai nascer, que já nasceu. Para o cidadão que está chegando aos oitenta não existe nada, cientificamente comprovado, que sua morte será tão almejada, tão festejada como o nascimento.

Para não ser tão pessimista devo admitir que já estão começando a pensar na melhor maneira de um cidadão morrer, mas nada tão compensador e objetivo como o que existe para o cara que vai nascer.

Então, como estamos diante de nosso suriname, o que nos resta é viver como se estivéssemos nos vinte, cheios de energia, amando nostalgicamente, sonhando como sempre sonhamos, continuar acreditando nas pessoas e nos amigos. E para morrer podemos optar pelo enterro natural, pela cremagem ou pela doação de corpo para estudo de alunos da Feevale. Para mim o mais atraente, pois continuarei a ajudar a viver. Devemos imaginar que no fim do funil está nos esperando a mulher mais linda…como as que estavam ao longo da vida.