Jornal NH

06 de abril de 1984.

Alceu Feijó

Eles nasceram no mesmo ano de 1927. Um lá em São Francisco de Paula e o outro por aqui mesmo, pelas margens do rio do Sinos. Inicialmente, cada um no seu habitat, foi vivendo a sua moda e a seus costumes que em tudo divergiam. Era no andar, no vestir, no comer, no falar, mas o destino tratava de preparar os seus caminhos para que um dia se encontrassem por uma vida em comum e duradoura.

Este encontro predestinado por origens muito longínquas, onde os ancestrais se encontravam, não demorou mais que uma década e pouco. Mas aconteceu e foi amor à primeira vista. Se viram, se apaixonaram e se amaram para sempre. Nem sempre andaram de mãos dadas pelos jardins, pois um amor repentino, uma paixão violenta sempre é acompanhada de um pouco de drama, de passionalismo. Muitos foram os atritos que tiveram e os amores que viveram.

Ao completarem 57 anos observa-se uma contradição na evolução dos personagens. Enquanto um atinge o auge do seu dinamismo, da sua potencialidade, da sua beleza física e estética, o outro vê o declínio se aproximar. Lento, mas inexorável. Houve tempo que disputavam palmo a palmo o chão a sua frente, e o entusiasmo no desempenho de suas tarefas era empolgante. Mas neste tipo de relacionamento alguém sempre termina por firmar-se definitivamente, pois a sua gênese é inversamente proporcional. E foi o que aconteceu.

Novo Hamburgo, nascido lá pelos idos de 27, pelo empenho de homens e mulheres que sentiam possuir poderes, confiança e determinação para gerirem suas próprias vidas, foram para a luta e conquistaram a sua independência. Trabalharam, suaram, sofreram e venceram. Venceram de tal maneira que até assusta os remanescentes daqueles dias, tal a grandeza e o desempenho alcançado. A vilinha embarrada e empoeirada dos Kunz, dos Schmit, dos Kramer, dos Adams, dos Jaeger, dos Alles, que nunca foi modesta ou acomodada, está aí para quem duvidar.

O outro personagem, modestamente este que vos fala, nasceu lá em cima do morro, a quase mil metros de altura, onde o minuano chora a saudade dos que partiram, como eu, onde a geada quebra a terra para testar o vigor dos seus filhos, onde a gralha também foi embora e a bruma do inverno entristece ainda mais a saudade do serrano. Lá eu nasci em 1927, no mesmo ano que Novo Hamburgo, aterra que viria a adotar para meus filhos, meus netos, para meus amores e dissabores, meus novos amigos e ex-inimigos. Nos encontramos numa tarde primaveril e vivemos juntos muitos verões e tantos outros invernos.

Quarenta e quatro anos de convivência. Que mais poderia dizer um paraquedista serrano que decolando lá das grimpas dos pinheiros veio dar com os costados nesta terra quente e arenosa, onde ninguém para para ver o gado pastar, nem se esconde do minuano. 

Hoje, muitos e muitos serranos vivem o dia a dia de Novo Hamburgo tão integrados como eu, tão saudosos de São Francisco como eu, mas tão realizados como eu. No contraste das atividades entre São Francisco e Novo Hamburgo, o serrano encontra o caminho para novas e concretas atividades. Como eu, creio que todos os serranos que aqui vieram dar com os costados, sentimos um profundo reconhecimento pela acolhida um tanto fria mas honesta do alemão, de cabelo loiro, olho azul e fala “ carecada”. Novo Hamburgo comemorou 57 ontem; eu amanhã ou depois… 

Nosso bolo é comum e grande como o coração dos serranos e hamburguenses que vivem o maior amor do Vale.